Bolsonaro foi considerado culpado por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano contra o patrimônio e deterioração de patrimônio tombado. Além dele, todos os sete réus foram condenados.

O Supremo Tribunal Federal (STFcondenou, pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente por tentativa de golpe de EstadoJair Bolsonaro cumprirá pena de 27 anos e 3 meses de prisão por cinco crimes, inicialmente em regime fechado, decidiu a Primeira Turma nesta quinta-feira (11), 5º e último dia de julgamento.

Veja os principais pontos do 5º dia de julgamento:

O tamanho das penas dos réus

Condenação histórica de um ex-presidente

Em julgamento histórico, o Supremo decidiu punir pela 1ª vez um ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Bolsonaro vai cumprir pena de 27 anos e 3 meses, inicialmente em regime fechado.

Ele também foi considerado culpado por organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. O ex-presidente também está inelegível por 8 anos após o cumprimento da pena.

Na denúncia, a Procuradoria-Geral da República (PGR) citou que o ex-presidente e outros sete aliados – ex-auxiliares e militares – tentaram derrubar a democracia e impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre o fim de 2022 e o início de 2023.

O placar na Primeira Turma do STF foi de 4 votos a 1. Outros sete aliados também foram condenados.

Mesmo com a condenação, a prisão não é imediata. Os advogados ainda podem apresentar embargos, recursos que precisam ser analisados. A prisão só passa a valer quando o processo estiver concluído, transitado em julgado, e não houver mais possibilidade de recurso.

“Prova cabal” de organização criminosa e Bolsonaro líder

A ministra Cármen Lúcia afirmou, durante seu voto, que Bolsonaro “praticou os crimes imputados a ele na condição de líder da organização criminosa”. E disse ainda que há “prova cabal” de que organização criminosa que buscou “sequestrar” as instituições.

“Ele é o causador, ele é o líder de uma organização que promovia todas as formas de articulação alinhada para que se chegasse ao objetivo da manutenção ou tomada do poder. Então, eu tenho para mim que há um acervo enorme de provas a indicar os planos de tomada do poder pela ruptura institucional ou pela permanência forçada, o que não ficou no mundo das ideias, nem de registros particulares.”

Para o ministro Zanin, em seu voto, estão presentes os requisitos para enquadrar os acusados em organização criminosa e as provas mostram que o grupo buscava romper com o Estado Democrático de Direito.

“O objetivo central tinha o objetivo de assegurar a permanência no poder de Jair Messias Bolsonaro.”

Zanin, em seu voto, também entendeu que houve o crime de organização criminosa. “Organização estável [ foi constituída] com duração superior a um ano cujo planejamento descrito em inúmeros documentos apreendidos previa ações coordenadas voltadas para a permanência – à revelia do processo eleitoral, pois, da vontade popular – no poder de Jair Messias Bolsonaro”.

Não foi ‘domingo no parque’ nem ‘passeio na Disney’

Durante o voto da ministra, o relator Alexandre de Moraes fez um aparte e, sem citar Fux, rebateu o voto do ministro que divergiu dele e rejeitou a existência de organização criminosa. Moraes reiterou que o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe de Estado: “Não foram baderneiros descoordenados”.

Ele reforçou, citando Gilmar Mendes, que o 8 de janeiro não foi um “domingo no parque” nem um “passeio na Disney”. Destacou que os crimes cometidos não foram fatos isolados, mas um “conjunto de ações envolvendo órgãos como GSI, Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Ministério da Justiça com o uso da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal”.

Em seu aparte, Moraes afirmou que “não se pode confundir ataques às instituições com liberdade de expressão” e exibiu um vídeo em que Bolsonaro “dá ordens” e xinga o ministro de “canalha” em discurso a manifestantes. Para Moraes, trata-se de incitação contra o Poder Judiciário.

“O que decidimos aqui vale para todos os tribunais e todos os juízes do país? Algum de nós permitirá que isso seja considerado liberdade de expressão e não crime? Se um prefeito, em uma cidade do interior, insuflar o povo contra um juiz de comarca, dizendo que não vai cumprir decisões desse juiz de comarca, qual recado queremos deixar para o Poder Judiciário brasileiro?”

Zanin então complementou a fala de Moraes e disse que esses atos fazem parte dos crimes contra o Estado Democrático de Direito: “Coagir uma instituição para que se arquive um inquérito. Isso é inadmissível.”

Em seu voto, o ministro citou os danos causados aos Três Poderes no 8 de janeiro e afirmou ser indiferente à ausência de vínculo direto entre o autor e os demais partícipes para a responsabilização penal.

Cármen também reforçou que os atos de 8 de janeiro de 2023 foram planejados e tinham como objetivo enfraquecer as instituições. Para ela, houve o cometimento dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração do patrimônio. “As imagens foram suficientes para demonstrar de que isso aconteceu”.

Para ela, não há confusão ou absorção entre os crimes de tentativa de abolição e tentativa de golpe de Estado, como defendeu Fux em seu voto: “São tipos penais distintos”, disse a ministra.

Cármen defende urnas e diz que ‘STF não julga instituições’

A ministra saiu em defesa das urnas e disse que o ataque feito não foi uma ideia solta em que “um pensou nisso, outro também pensou”.

“A prova nos autos do desenvolvimento de uma empreitada criminosa dos réus que se utilizaram do modus operandi da denominada milícia digital para propagar ataques ao Judiciário, ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas […] a urna tem um peso enorme, é um bem do povo brasileiro”.

Ao tratar da atuação de Bolsonaro, a ministra afirmou que houve “instrumentalização de instituições de Estado” para “promover, provocar e pressionar para o desvio de finalidade com propósitos de erosão democrática das instituições”. E reitera que o STF não está julgando instituições.

Rejeitados os questionamentos das defesas

Cármen rejeitou as preliminares (questionamento das defesas antes de se discutir o mérito) de parcialidade e suspeição, nos termos do que já tinha sido decidido do plenário. Ao reafirmar sua posição sobre a competência do STF para julgar Bolsonaro e outros sete réus, a ministra destacou a coerência de sua trajetória no tribunal.

“Sempre votei do mesmo jeito. Sempre entendi que a competência é do Supremo Tribunal Federal. Não há nada de novo para mim.”

Sobre a preliminar de cerceamento de defesa, tanto sobre “document dump” quanto do tempo para acessar as informações, a ministra avaliou que não houve comprovação de prejuízo por parte dos advogados. Rejeitou também a nulidade da colaboração de Mauro Cid.

Zanin também rejeitou as preliminares e defendeu a competência do STF, em especial da Primeira Turma, para julgar o caso e rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa.

Moraes reforçou o argumento do ministro em aparte.

“São 59 advogados que têm procuração nos autos. Sabe quantos documentos eles juntaram como pertinentes? Nenhum. Não houve nenhum cerceamento de defesa”.

Zanin também afastou a alegação de suspeição contra Moraes e considerou regular o ato de acareação. Ressaltou que não há vício na delação de Cid.

Provocações bem-humoradas entre ministros

O voto da ministra Cármen Lúcia foi marcado por citações literárias, críticas ao autoritarismo, reflexões sobre o papel das mulheres e cenas de descontração com os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino.

A ministra fez uma citação ao escritor francês Victor Hugo, que foi um “ferrenho oposicionista ao golpe de Estado de Napoleão III”: “O mal feito para o bem continua sendo mal”.

Em determinado momento, Dino pediu um aparte para comentar a citação e ouviu da ministra: “Desde que rápido. Nós mulheres ficamos dois mil anos caladas, queremos ter o direito de falar. Mas eu o concedo”. Ele prometeu ser breve e brincou ao final de sua fala: “A senhora, viu? Nem dois minutos”.

Mais adiante, os dois tiveram mais um momento descontraído. Cármen afirmou que tinha seu “voto impresso”, mas não o leria. Dino respondeu, em tom de brincadeira, fazendo um paralelo com as urnas eletrônicas: “Se existe voto eletrônico, não há necessidade de voto em papel”.

Cármen respondeu: “Eu gosto de papel, gosto muito de escrever, gosto de caneta”. Dino retrucou: “Nós dois somos analógicos, embora a senhora seja mais jovem”. E ela completou, arrancando risos: “Claro, se fosse o contrário”.

A ministra também brincou com Alexandre de Moraes quando ele pediu um aparte e disse que, diferentemente de Dino, não seria breve, mas que estava terminando. “Termina, porque eu tenho um voto”, respondeu a ministra.

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